Ainda é horário de verão.
Enquanto tomamos o cronometrado café da manhã, meu filho e eu assistimos o céu em multicolorida metamorfose sobre a Marginal Pinheiros.
Saímos apressados e desta vez eu não carrego uma bolsa cheia de collants e sapatilhas. Visto legging, camiseta e rasteira, é tudo o que eu preciso.
São Paulo já é agitada neste inicio de manhã, mas com menor dose de stress. A energia é mais acolhedora, as pessoas sorriem mais. Existe uma esperança inconsciente no novo. E é um novo dia.
Adoro este colorido das sete da manhã. Alguns de verde limão e outros de vermelho, os entregadores dos jornais gratuitos interrompem o cinza da cidade.
Deixo o pequeno na escola e parto para o meu desafio. Estaciono na Sampaio Vidal e caminho meia quadra, adoro este pedaço, Sol intercalado com sombras das árvores, até chegar à Padoca do Mani. Suco verde com Juliana, minha anfitriã da nova experiência.
Analfabeta em Yôga mas sempre com ‘aquela velha opinião formada sobre tudo’, viva Raul, passei anos afirmando que a prática deveria ser puro tédio, uma chatice lenta. Tão categórica, um tanto curiosa.
Juliana é impaciente e agitada. Juliana é das minhas. Juliana faz Yôga. Juliana gosta. Juliana quebrou minha teoria.
Como Juliana é ligada no incomum, ela faz Yôga que voa. E como eu salivo por uma novidade, lá vou eu, com Juliana, conhecer este mundo mais elevado. Literalmente.
A sala é um charme. Tecidos roxos e azuis caem do teto, contrastando com a parede de lousa toda desenhada com muito bom gosto. Completa ignorante no assunto, os escritos parecem sânscrito para mim. Lá no meio tem um “Yoga Rocks”. Comemoro, este eu entendo.
Aviso que sou novata na historia. Sou muito bem-vinda pela professora que passa serenidade só pelo olhar.
Carla indica o colchão pink, posicionado embaixo de um dos tecidos. Estamos todas sentadas em posição de lótus.
Começamos os movimentos, sempre usando o tecido como apoio. Ele nos ajuda nas posturas e nos alongamentos. Percebo que estou acompanhando tudo e decido que nasci para isso. Uma perna no tecido, tudo certo. Troco a perna, tranquilo. Depois, em pé e de costas para o tecido, passamos os braços por ele e o seguramos. Normal. Um breve movimento e estamos sentadas, como se o tecido fosse uma balança. Bacana. Posicionamos o tecido na altura do cóccix e, nos segurando pelas mãos, descemos o corpo e levantamos as pernas, que vêm por fora e passam por dentro, ficando presas ao tecido. Tudo simples, tudo orgânico. Quando percebo, estou de ponta-cabeça e pendurada neste paninho que vem do teto. Básico.
Sou boa nisso, viu? Primeira aula e já faço a posição invertida. Que arraso! Deixo as mãos soltas, que tocam o chão com leveza e tranquilidade. Nunca imaginei que encontraria minha tão procurada vocação para atividade física assim, em plena Yôga, morcegando. Está explicado meu desejo, na infância, de ser BatGirl.
A professora se aproxima para me ensinar a subir. Vamos voltar para a posição padrão que utilizamos nesta vida, pés no chão e cabeça no alto. Neste instante percebo que minhas mãos estão grudadas, coladas e desesperadas no chão. Com aquela calma yogi, ela me diz para soltar as mãos do chão e segurar o tecido. Soltar? Estou de ponta cabeça! Como soltar?
– Confia em mim. Solta as mãos.
– Não consigo.
– Pode confiar, você está presa.
– Entendi, mas não consigo.
– Você está presa pelo tecido. Pode soltar.
– Eu sei, mas não adianta. Não consigo.
E ficamos neste diálogo pouco diversificado. Eu já quero me enfiar nem sei onde, porque perdi a noção espacial, mas me sinto péssima por atrapalhar a concentração das outras três alunas.
– Solta uma das mãos, confia em mim.
Soltei, mas quase enterrei a outra no chão.
– Solta as mãos, olhando para seu umbigo.
Eu já nem sei onde está meu umbigo.
Não sei se por milagre ou sorte, em algum momento volto a enxergar colchões no chão e teto lá em cima.
Abrimos o tecido e nos sentamos nele, fazendo dele um casulo. É o relaxamento. A sequência de respirações profundas me leva a algum lugar indefinido, entre o consciente e o inconsciente.
Voltamos ao colchão, unimos as mãos em prece. Acaba a aula.
Sobrevivi.
Juliana pergunta se quero matá-la. Respondo que voltarei na sexta-feira.
Juliana diz que sou tinhosa. Eu descobri que sou fóbica.
Morcega fóbica.
Namastê!