Por José Mangini
Criador e Fundador do 5511SPP
Começando este ano de 2020 com força total, saúde e energia para fazer tudo que vier pela frente com a melhor disposição. No ano passado, a ideia do que seria necessário fazer para que as pessoas utilizem a Mediação como instrumento para resolverem seus conflitos foi o que mais me marcou e me moveu. O tema Confiança na Mediação surgiu como um dos caminhos óbvios. Fazer as pessoas e advogados confiarem no instituto da Mediação e em seu processo apareceu como uma das chaves. E é sobre isso que quero começar o ano falando.
Antes de falar da confiança na Mediação, vou esclarecer o meu entendimento acerca do conflito. Apesar de entender que a Mediação não deve ser somente aplicada em situações onde exista um conflito em qualquer fase dele. A Mediação é maior do que isto e suas aplicações vertem para outros campos.
Em toda a nossa vida, vivenciamos conflitos de todas as naturezas e de todas as maneiras. Conosco mesmo, com os Outros, em nossas relações pessoais, no trabalho, entre empresas, na sociedade, nas escolas, entre governos e comunidades. Somos partes ativas de um conflito. Por ser transdisciplinar, a definição de conflito extrapola qualquer definição com um único olhar e, talvez por isso eu não arrisque a definir.
A existência de conflitos proporciona o mais amplo leque de situações, sentimentos e emoções. Proporciona vitórias, impõe derrotas, organiza a vida, cria alianças, desfaz relações e mais um sem número de possibilidades. A certeza que temos é que qualquer conflito nos consome em todos os sentidos e interfere naqueles que estão à nossa volta. Isto é fato!
O conflito é co-construído por aqueles que nele estão envolvidos e são estes mesmos os co-responsáveis por encontrar um novo caminho que vise o benefício mútuo para a sua solução, restabelecendo, assim, um equilíbrio dentro daquele sistema.
Mas, se mudarmos o olhar para entender o conflito como uma necessidade de mudança de alguma coisa ou situação que nos incomoda ou que não nos serve mais, mudamos a perspectiva para algo que possa ser positivo, passando a ser uma experiência benéfica e construtiva se, tudo for muito bem administrado. Por sua vez, a resolução destes conflitos garantem, tal como o medo, a nossa sobrevivência. É decisivo e implica em tomada de decisões. Até mesmo a decisão de continuar convivendo com aquele conflito.
Cada conflito tem a sua dinâmica, sua intensidade, sua História, seu objeto e seus personagens próprios. Por isso podemos dizer que um conflito é vivo ao passo que ele nasce, se cria e se transforma, dentro de cada contexto, a partir das decisões tomadas pelos nele envolvidos.
Paz não é ausência de conflito (guerra) . Paz, pode ser entendida como a ausência de medo, conforme a física-pacifista, germano-canadense, Úrsula Franklin, em seu 1987 paper, Reflections on Theology and Peace. Digo ainda que para enfrentar o medo e o conflito, é necessário coragem.
Franklin (Reader), p. 76.
E como tratar os conflitos tão frequentes em nosso cotidiano?
Cabe às sociedades modernas oferecerem e desenvolverem meios para que os conflitos sejam resolvidos, tratando os fatores que os provocam e oferecendo mecanismos para que estes sejam resolvidos pelas próprias pessoas, pelas empresas, pelos mercados, pelas sociedades e também pelo poder público.
A Mediação é um destes meios de resolução de conflitos. Realizada de modo voluntário e auto-compositivo entre os envolvidos no conflito, com vínculos duradouros, sendo o Mediador um terceiro, sem poder decisório, facilitador da comunicação entre eles, auxiliando as partes a refletirem sobre seus reais interesses, utilizando este, ferramentas e estratégias próprias para operar o conflito da forma que se apresenta em particular, para que, em co-autoria, as partes encontrem alternativas de benefício mútuo, levando em consideração o contexto e os históricos sócio-culturais de cada um dos envolvidos no conflito.
Mediação é um olhar e uma atitude para o futuro!
Em nosso ordenamento jurídico encontramos mais de 100 previsões à mediação, conciliaçãoe à solução consensual, somente no Novo Código de Processo Civil, editado em 2015. Isto sem marcar a legislação específica (Lei da Mediação n. 13.140/2015) e as diversas Resoluções do Conselho Nacional da Justiça, Projetos de Lei em tramitação e outros ordenamentos específicos. Não é pouco.
Quem trabalha com gestão de controvérsias, bem como os operadores do Direito, definitivamente não podem alegar qualquer tipo de ignorância ou desconhecimento dos métodos auto-compositivos de resolução de conflitos. Está tudo lá: nos ordenamentos jurídicos, na prática consolidada há mais de vinte anos no Brasil e no exterior, bem como no dia-a-dia dos advogados, mostrando-se como um caminho sem volta.
E não podemos negar que não há nada mais contemporâneo do que as próprias pessoas ou empresas decidirem seus destinos, entendendo e enfrentando seus conflitos, sem depender da intervenção paternalista do Estado.
A atuação do advogado que caminha em consonância com a evolução dos anseios da sociedade, evoluiu rapidamente e hoje ele deve se colocar ao lado de seu cliente, não somente para a interpretação dos intrincados ordenamentos jurídicos, mas sobretudo como um intérprete de suas inquietudes, analisando juntamente com eles e compartilhando as responsabilidades na reflexão da escolha da melhor forma de resolução do conflito que se apresenta, atendendo aos legítimos interesses de seus clientes e dividindo o protagonismo.
E quando se analisa os reais interesses, deve-se levar em conta não somente o bem estar econômico, mas muitas vezes o reconhecimento, a segurança, o controle da situação, o sigilo, a celeridade, a recomposição das relações e um sem número de aspirações e anseios que podem se apresentar em um caso concreto.
Mas, se por um lado ao advogado não é permitido a ignorância dos meios consensuais ofertados, por outro é necessário que ele tenha confiança no processo auto-compositivo para poder embarcar em uma Mediação com o seu cliente. E é certo que confiança se adquire e está pautada em conhecimento, credibilidade, experiência e habilidade e expertise do operador. Por mais que a Mediação esteja prevista nos ordenamentos jurídicos e seja, de fato, uma prática, é necessário também que ela esteja inserida dentro dos códigos da sociedade, ancorada naquela cultura e mais ainda, vinda de um conhecimento construído por todos os agentes envolvidos.
A Confiança na Mediação também foi o tema da última reunião ordinária da Comissão da Advocacia na Mediação e na Conciliação da Ordem dos Advogados do Brasil – seção de São Paulo. Reunião, feita de forma aberta e acessível a todos, que a Comissão, da qual faço parte como Secretário-geral, com a presidência inspiradora da Ana Luiza Isoldi, realiza mensalmente. Nesta oportunidade foi convidada a psicóloga, mediadora e PhD em Desenvolvimento Humano, Corinna Schabbel, para palestrar sobre o tema confiança. Lá, a palestrante, baseada nos trabalhos de Luhmann e Kant, alertou:
“Com o histórico da Mediação no Brasil associado à falta de um processo de aculturação massivo, é pequeno o universo que, ao ouvir falar do procedimento de Mediação, é remetido a um significado conhecido, ancorado no sistema de crenças e redutor de complexidade sistêmica, uma referência necessária para a validação de confiança.”.
Corinna abordou também, precisamente, o conceito de confiança no aspecto psicológico:
“Confiança implica que eu tenha uma vulnerabilidade que me é conhecida, que parte do meu sistema de crenças, e eu entrego na mão do Outro a possibilidade de ele ter um conhecimento ou informação para me ajudar a resolver esta questão que eu não estou conseguindo resolver sozinho. Nós somos seres sócio-históricos e à medida que vamos crescendo, vamos buscando a confiança a partir de um conteúdo do nosso histórico.”
Interpretando Kant, nós sabemos muito, mas não conhecemos muito. Só conhecemos aquilo que a gente experimenta ou aquilo que se transforma em experiência ou significado, pessoal ou compartilhado.
Já Luhmann, em um pequeno livro ainda não traduzido para o português: “Confiança, o redutor de complexidade.”afirma, segundo a Corinna em sua palestra:
“A confiança se desenvolve a partir do conteúdo sócio-histórico de cada um de nós, porque ele nos remete ao passado para construir um futuro seguro”.
Isso significa que a informação passada de que aquele profissional é confiável, facilita para que eu participe, no caso, de uma Mediação, remetendo a um conhecimento que eu já tenho, para poder enfrentar com mais tranqüilidade e segurança.
As pessoas que entram em um ambiente de Mediação, nos Cejuscs espalhados Brasil afora ou na esfera privada, se não tiveram a devida orientação e informações de seus conselheiros jurídicos, estarão entrando em um quarto escuro e somente terão o conhecimento do processo e procedimentos da Mediação naquele momento.
Assim, a lição que fica é que a confiança (no processo e no profissional) é a palavra chave para um advogado, juntamente com seu cliente, optarem por escolher a Mediação como caminho para a solução de um conflito. E, como vimos, a relação de confiança depende da relação de troca desencadeada pelo compartilhamento de experiências ao longo do tempo e da convivência entre pessoas ou pessoas e instituições. E ainda, que este conceito esteja inserido naquele sistema (sociedade).
Charles Green, ao desenvolver uma fórmula matemática (in The trust equation: a prime. 2008) para o entendimento da confiança, acrescenta mais um elemento no denominador da equação: a auto orientação do agente ou como o agente entende sua vaidade e seu grau de narcisismo.
Assim, ao meu entender, o ciclo todo se fecha: quanto maiores o grau dos numeradores e menor o denominador, maior será o grau de confiança.
Então, podemos concluir que está nas mãos dos próprios Mediadores e operadores do Direito, a enorme e grata responsabilidade de difundir para a sociedade a seriedade do instituto da Medição. Somente com o devido profissionalismo, preparo, ética e formação contínua de todos é que a Mediação poderá ter o devido peso dentro dos métodos apropriados de resolução de conflitos. Isto somado a esforços de difusão em massa do instituto da Mediação de maneira apropriada e correta, bem como a aculturação da sociedade e implementação de estudos nas comunidades acadêmicas, para que ela adquira este conhecimento e assim possa haver confiança, se tornando a Mediação um conceito cultural no Brasil para que todos tenham acesso à ela.
Nos veremos novamente por aqui, escrevendo sobre Mediação para que todos conheçam cada vez mais esta forma sensacional de resolução de conflitos, na qual eu estou mergulhado agora
Imagem de Confiança
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Grande beijo a todos,
Zé Mangini
Sobre mim: me formei em Direito na PUC-SP e exerci a advocacia por alguns anos. Adorei. Depois abri uma editora, onde editávamos livros e revistas. Adorei também. Passado mais um pouco de tempo, fui fazer a parte executiva de filmes publicitários, curtas, longas e programas de TV. Adorei mais ainda. A vida foi me levando por estes caminhos e acabei por descobrir que tudo o que eu tinha feito até então, era ouvir e contar Histórias, assim criei a plataforma digital 5511SP, onde entendia que as Histórias ouvidas e contadas eram nada mais do que o livre exercício da empatia, que por sua vez me levou a conhecer a Mediação e assim, desde o ano de 2018, tenho me dedicado exclusivamente ao profundo conhecimento e aperfeiçoamento de suas técnicas. Atualmente sou Mediador certificado pelo CNJ e pelo ICFML, Secretário-geral da Comissão da Advocacia na Mediação e na Conciliação da OABSP e pós-graduando em Métodos Adequados de Resolução de Conflitos Humanos, pela ESA/OAB/SP, tendo exercido a Mediação nas áreas empresarial e familiar. E esse está sendo o meu jeito de me conhecer melhor e fazer um Mundo mais bacana para todos.