Entrevista realizada em 17 de Novembro de 2016, na casa da Dra. Regina, na Vila Clementino.
Regina Fumanti Chamon, hematologista e médica integrativa.
Dra. Regina – Minha família é da Penha. Meu avô quando veio da Itália, foi morar na Rua Mirandinha. Minha avó, que veio de Minas, também morava lá. Eles se conheceram, começaram a namorar e se casaram. E ali eu nasci e fui criada a minha vida inteira. Fui fazer faculdade de medicina e as minhas residências na cidade de Campinas, na Unicamp, e quando voltei para São Paulo, fiquei um pouco na casa do meu pai no Butantã, mas acabei vindo morar aqui na Vila Clementino, por conta da minha comadre e por ser perto do metrô, já que eu não gosto de dirigir. Acabei escolhendo morar por aqui por causa da mobilidade urbana e fui construindo a minha vida por aqui. Eu faço tudo à pé. E também tem meu cachorrinho, Theo, que adora andar por aqui e na casa Modernista que fica aqui atrás. Com o Theo eu acabei conhecendo o bairro todo.
Dra. Regina – Eu cheguei na medicina integrativa, através da minha residência e dos pacientes oncológicos. Quando eu terminei a minha residência eu estava com 27 anos. E na residência de hematologia, a cada dia eu assinava uns 3 ou 4 atestados de óbito. Eram pessoas jovens que morriam. Que em um dia estavam bem, um tempo depois aparecia uma mancha no corpo e era constatada a leucemia e um tempo depois, morriam. Foi muito difícil. Eu lidava com o morte o tempo todo. Uma coisa é a pessoa envelhecer, ter uma doença e morrer. Seguir o curso natural. E ali esse curso natural era quebrado todos os dias. E eu fiquei com muitos conflitos. Era muito frustrante conviver com toda aquela situação, com a morte. Mas mesmo assim eu ia observando, chamava o capelão, avisava a família, liberava visitas e assim ia. Mas eu sempre pensava: o que é isso? Qual é o mistério ? Eu me envolvo muito com meus pacientes, porque eu sempre tive muita curiosidade pelas pessoas.
Os médicos, geralmente, estão olhando a doença e não as pessoas. Porque se o objetivo, como médico, é tratar a doença, você nunca vai ter sucesso. Ou o sucesso será efêmero. Você tem de tratar a pessoa. E aí eu comecei a buscar coisas para mim, para tentar lidar com esta frustração e poder tratar a doença e nem sempre alcançar o sucesso. Aí eu comecei a meditar, fazer terapia, reiki, fui fazer yoga, buscando sempre coisas que me trouxessem calma. Um belo dia na terapia, meu terapeuta me perguntou quais dos médicos que eu conhecia seria a minha inspiração? Aí eu percebi que não tinha. Mesmo os médicos que são referência na minha área aqui no Brasil, não tem nenhum que eu gostaria de ser. E aí ele me mandou pensar no que eu gostaria de ser. E fui para Campinas visitar uns amigos. Na volta me deu uma coisa. Pensei pela primeira vez na medicina integrativa.
Dra. Regina – Não. Nunca. Hoje já evoluiu, mas na época não se falava nisso. A medicina trata a doença. O que existem são grupos nas faculdades que conversam sobre a medicina integrativa. Hoje, existe um movimento neste sentido. Nos Estados Unidos, 40% das faculdades tem a medicina integrativa como matéria curricular. A medicina integrativa não é uma especialidade, é um olhar para a pessoa inteira. E aí tudo isso começou a fazer muito sentido para mim. Você não trata uma doença, você trata uma pessoa que está com uma doença.
Dra. Regina – É, normalmente é uma misturinha de coisas. Hoje a gente tem grandes epidemias de doenças no Mundo, são doenças de comportamento, como a diabetes, pressão alta, depressão. São conseqüências do jeito que você come e do jeito que você cuida do seu corpo e da sua mente. A doença mostra a relação que você tem com você mesmo. A medicina integrativa é autocuidado. Da pessoa mesmo se cuidar. Quando a gente pensa em medicina integrativa, a gente inverte essa balança. Você vai na consulta e o médico vai te falar que a sua alimentação não está legal, vai te questionar o que te faz comer deste jeito. Vai te questionar o porque da sua necessidade de trabalhar tanto. E vai cavando tudo até mudar as suas necessidades.
Dra. Regina – E aí a pessoa tem de olhar para isso. E aí você vai ter de mudar a sua alimentação. E para mudar a alimentação você tem de mudar seu casamento. Às vezes mudar o seu jeito de estar dentro do relacionamento. O autocuidado é olhar a sua emoção. É ouvir o seu corpo. Tem dias que seu corpo precisa descansar, tem dias que ele precisa se mexer. É o silêncio para se escutar. Isto é o autocuidado. Quando você está com o olhar do autocuidado, as propostas que o médico propõe, ficam com mais sentido. A medicina integrativa usa todos os recursos da medicina tradicional. Ela não fala para você parar de tomar remédios, de maneira alguma. Junto com isso, a gente acrescenta outras ferramentas, que possibilitam diminuir a quantidade de remédios e olhar o todo. E entram também outras terapias que sejam minimamente invasivas, como a psicoterapia, yoga, meditação, exercícios físicos, mas sem deixar de usar a medicação prescrita. Usar o remédio de uma maneira lógica.
Dra. Regina – Com certeza. A gente vive em um Mundo que é muito estressante, em uma cidade que é muito estressante. O estresse é um negócio que é muito legal. Mas tem de ser pontual. O problema, hoje em dia, é que este estresse não desliga nunca. O problema não é ter estresse. É ter estresse e não saber voltar ao seu basal. Já existem muitos estudos abordando isso. O fato de não ter uma resposta de relaxamento após ter uma resposta estressante, ou seja, ser cronicamente estressado, isso ativa oncogênes, desencadeia algumas mutações. Este estresse crônico, falando de uma maneira bem simplista, desencadeia a maioria das alterações epigenéticas e isto pode causar várias doenças, como câncer, doenças auto-imunes, doenças neurológicas. O estresse desencadeia este monte de coisinhas. Por isso que eu acho superimportante, hoje, no contexto que a gente vive, na cidade que a gente vive, você encontrar mecanismos dentro da cidade, que te ajudem a ter estas respostas de relaxamento. E isto tem de ser individual. Para algumas pessoas é correr, para outras é meditação, ouvir uma música… Cada um tem de encontrar o seu. Mas precisamos ter esses momentos de prazer. A medicina integrativa te dá este caminho para você encontrar este balanço. De fazer esta gestão do estresse. E isto é acessível a todos, em qualquer lugar.
Dra. Regina – Trazer a medicina integrativa no contexto da oncologia é muito legal. A oncologia evoluiu muito nos últimos 50 anos. Mas evoluiu no sentido da tecnologia. Em novas drogas, em equipamentos para detectar, na eficácia das drogas, podendo detectar a doença logo no começo, quando antes demoraria anos. E a pessoa? Como fica? Onde está a pessoa no meio desta mudança durante o tratamento do câncer? O que se pode fazer por esta pessoa durante o tratamento? A medicina integrativa cuida disso.
Dra. Regina – Eu atuo como hematologista, que é a minha especialidade, trazendo este conceito da medicina integrativa. Por exemplo, chega um paciente que tem anemia, por falta de ferro. É lógico que eu vou ter de repor o ferro. Mas porque esta pessoa está sem ferro? E vou entendendo o contexto daquela pessoa e vou a tratando inteira. E também trabalho dentro de um serviço de oncologia, trazendo este universo do autocuidado e das práticas complementares como um suporte para o tratamento oncológico. E criamos juntos um plano de autocuidado que o paciente pode fazer durante a químio. Pode ser uma meditação, seções de reiki. Pode ser acupuntura, que muitas vezes melhora mais do que um monte de remédios para ajudar nos enjôos. E trazer essas ferramentas de gestão de estresse dentro do quadro oncológico. E também vou atender em meu consultório uma vez por semana, somente medicina integrativa, como um clínico geral. As doenças que hoje tem maior incidência, são aquelas do conjunto da vida.
Dra. Regina – O nosso corpo é como um carro, precisa de manutenção constante. Se você cuida dele, com uma alimentação legal, se você cuida do seu estresse, se você tem uma boa noite de sono, você vai durar um tempão e bem. Se você cuidar mal do seu corpo, talvez você não morra antes, mas vai ter uma qualidade de vida muito ruim.
Durante um período, eu encarei a morte como um fracasso da minha profissão. Hoje em dia, eu encaro a morte como uma parte da vida. Mas eu vejo que a gente não se prepara para morte e na hora em que ela chega, não sabemos lidar muito bem com esta perda. Então a gente precisa dar um novo significado para morte, que para mim é a espiritualidade.
Dra. Regina – Quando eu era criança, eu dormia sozinha no meu quarto e eu ficava com medo. Então eu imaginava que eu era como uma célula do meu corpo. E como uma célula do corpo, eu não estava sozinha. E eu entendia este corpo grande como Deus. Eu sou uma célula dentro de um grande corpo.
Dra. Regina – Sou geminiana, portanto bastante inquieta. Gosto de fazer coisas, cuidar da casa, fazer tricô. Descobrir uma pessoa, me dá prazer. A delicadeza me dá prazer. Eu amo as relações, lidar com pessoas, amo cuidar de tudo e de todos. Uma vez o Plínio Cutait, Mestre Reiki, que está à frente dos cuidados integrativos do Hospital Sírio-Libanês, me disse que tudo na vida é um tripé: Cuidar, ser cuidado e se deixar cuidar. Amar, ser amado e se deixar amar. E é isso! Se você não se cuida, como você vai conseguir cuidar de alguém? Eu vim a este mundo para costurar. Costurar cuidados, com delicadeza e remédios. Costurar relações entre as pessoas. Costurar a medicina convencional com a integrativa. Eu vim para costurar.
Zé Mangini
por Zé Mangini