O Fepa, ou Fernando Santos Lopes na identidade, é um desses caras que a gente tem orgulho de conhecer. Nem precisa ser amigo, basta ter trocado um papo com ele para saber que ele faz toda a diferença por onde passa. Ele não é somente um esportista, ele é um amigo que leva todo mundo para cima junto com ele. Ele não é somente um empresário, é uma pessoa que ajuda os outros a se darem bem. E não é somente um pai de família, é um cara que agrega e quer todo mundo feliz. Vale a gente conhecer um pouco da História do Fepa para realizar que são as pequenas ações que movimentam universos inteiros. Uma História que abre o nosso coração para partilhar conhecimento e atitude. Ele é o criador do Instituto Nacional Pedra 90. Obrigado, Fepa.
Entrevista realizada em 26 de setembro de 2016, na Vila Mascote, no Clube Escola Balneário Jalisco.
Estamos no Clube Escola Balneário Jalisco, na Vila Mascote. Este Clube Escola é administrado pela Prefeitura e serve para proporcionar atividades esportivas para a garotada que estuda na escola. Um do lado do outro. Eu moro no Brooklin Velho, do outro lado da Washington Luiz e meu irmão mora aqui na rua de trás. Eu comecei meu trabalho com os meninos e o Jiu-Jitsu no Jardim Edite, mas a comunidade acabou quando construíram os predinhos. Eu lembrava deste lugar e vim ver se tinha algum espaço. Desde então, se passaram 9 anos.
Com o lançamento do UFC, o Jiu-Jitsu explodiu, porque era um confronto de estilos e o Jiu-Jitsu sempre se deu bem nas lutas e causou um impacto muito grande. Jiu-Jitsu contra boxe. Jiu-Jitsu contra Muay Thai, Jiu-Jitsu contra Luta Livre. E o Jiu-Jitsu, com o Roice Graice, sempre arrebentando, mesmo ele sendo magrinho contra os grandões das outras modalidades. Só na técnica, com chaves e estrangulamentos. Aí as academias explodiram. E para mim que tinha academia foi bom, mas era uma faca de dois gumes.
Eu sempre achei que em muitas das academias, faltavam aquele professor que ensinasse a parte marcial, da disciplina. E eu fui buscar outras referências que eu achava bacana em outras modalidades e assim fui criando um estilo próprio para minha aula. As técnicas são as mesmas, mas a parte disciplinar é outra coisa. Alem da aula normal e dos ensinamentos, ao final eu sempre conto uma História, uma passagem no meu “minuto samurai”. Mas eu vi que a minha metodologia não era muito comercial, porque os caras queriam mesmo era aprender a dar porrada. Aí eu parei de dar aulas na academia para retomar com um projeto social quando eu tivesse condições, porque eu sempre achei que as artes marciais, bem ensinadas, podem ser uma ferramenta muito boa para disciplinar alunos que são problema na escola. A gente escuta relatos de moleques que batem na professora e entram armados nas escolas. Até mesmo em escolas particulares, que para não perderem os alunos, toleram várias outras coisas.
E o meu sonho que fui buscar, era que com o Jiu-Jitsu, eu pegaria uma van, colocaria os alunos das escolas estaduais dentro dela e os traria para cá para eu ensinar o Jiu-Jitsu e depois, os devolveria para as suas escolas.
Hoje, eu tenho muito resultado com isso. Muitas educadoras me trazem garotos-problema para cá e depois de um tempo, eles saem diferentes. Com as artes marciais e no meu caso o Jiu-Jitsu, eu sinto que eles não vem com desrespeito porque eles acham que, por eu ser faixa preta, o cara vai tomar porrada. E com o tempo, eles começam a ver que não é bem assim e também começam a conviver com casos de sucesso, de moleques que moram na mesma comunidade deles indo para os Estados Unidos disputar campeonatos, sendo Campeão Mundial, Campeão Sulamericano. Aí ele também quer. Mas para ser e competir, tem de tirar boas notas, ter freqüência e ter bom comportamento.
Muitos querem ser lutadores profissionais. Se eles serão, já não sei, mas só deles estarem aqui treinando e se dedicando já é um sucesso. Todos querem lutar campeonatos e as inscrições são muito caras. A seleção que eu faço passa por freqüência, pontualidade, comportamento… Assim, vai peneirando com a disciplina que a gente aplica aqui e eu levo o time que está mais preparado tecnicamente e que respeita todas as regras, fundamentos e critérios aplicados.
As técnicas dos golpes que eu pratico são do Gracie Jiu-Jitsu. Foram eles que mostraram tudo isso para o mundo e eu continuo praticando. Eu só trouxe uma parte a mais da disciplina, mostrando que aqui somos artistas marciais. Não adianta você ser um grande lutador e ser um bunda mole na rua, ser um covarde, um cara que arruma confusão, de não ser um bom filho e não respeitar a família.
Eu tento conhecer a família, falar com os pais, entender a realidade deles. A gente é o produto do que a gente vive. E já vi de tudo, o pai assaltante que já morreu, a mãe usuária de drogas e o moleque criado pela tia, que é um amor, um doce. A gente nunca imagina uma coisa dessas se a gente não conhece a fundo. A gente vai tendo surpresas quando conhecemos o que eles passam.
Eles vem aqui todos os dias de segunda à Sábado. No começo era informal, uma associação que eu tinha que fazia eventos, mas foi crescendo de um jeito que eu não consigo mais atender aos 215 alunos com quimono, inscrição para campeonatos, viagens, e tudo o mais para as competições. Tenho os meus filhos para criar também. Aí coloquei no papel para possibilitar firmar convênios com a prefeitura, receber patrocínios, doações. Mas não tive nenhum tipo de apoio ainda. Tenho meus amigos que me ajudam na época dos campeonatos internacionais, que fazem uma vaquinha e a gente leva 3 no Campeonato Mundial e 3 no Campeonato Panamericano. Destes, já tivemos 18 campões Panamericano e 6 Campeões Mundias.
E hoje é um Instituto, o Instituto Nacional Pedra 90. O nome veio deles mesmo, foi um aluno quem deu. Pedra 90, no dito popular é o cara boa praça, bom amigo, parceiro. Pedra 90 não esfarela. Tem até uma música dos Racionais. O Seu Jorge fez uma música que fala do Pedra 90. E tem tudo a ver com o que a gente passa aqui dentro.
Eu formei os dois primeiros faixa-preta criados aqui dentro do projeto. Eles foram lutar nos Estados Unidos o Panamericano e os dois ganharam. E também foram visitar um bom exemplo lá nos Estados Unidos de um amigo meu brasileiro que dá aulas de Jiu-Jitsu e tem uma vida super confortável em Los Angeles. E já surgiram oportunidades para estes dois lá.
Eles ainda não falam um bom inglês, mas a gente está com projeto de colocar uma professora de inglês para eles, para dar uma força e geralmente eu vou dando a técnica e traduzindo ao mesmo tempo, para eles irem se acostumando com a língua.
O cara que é malandro, quer o caminho mais fácil, mais curto. Ele não quer pegar o busão as 6 da manhã e ir trabalhar e a noite vir aqui treinar até as 10 horas. Aqui, para ele chegar na faixa preta, a gente analisa não só a técnica, mas se ele tem conduta de faixa preta Pedra 90. Ele vai ser uma referência para todos os alunos. Tem que ter uma boa conduta, cobrar a postura dos alunos dele e tem de ser exemplo. Isso para mim vale mais do que ser campeão mundial. Os títulos conquistados ficam secundários neste critério. A gente demora para dar faixa. Faixa aqui é para amarrar o quimono. Ninguém tem de estar preocupado com a faixa. Fazendo a sua parte o reconhecimento vai vir.
Eu nasci em Santos. Meus pais são de lá. Vim para São Paulo desde que eu nasci e morei a minha vida inteira aqui. Já morei no Campo Belo e agora moro no Brooklin Velho. Sempre por aqui. Dar aula e lutar é o meu maior prazer. Às vezes eu estou trabalhando, cheio de problemas, mas quando eu estaciono o meu carro e piso aqui, zera tudo. Melhora na hora. O melhor momento do dia é o da maioria. Minha filha de 14 anos está aqui comigo, meu filho de 7 anos também treina. Minha filha fala pra mim que as pessoas aqui são muito mais felizes do que no colégio particular que ela estuda. No tatame todo mundo está com o mesmo quimono, todo mundo está descalço. Todo mundo é igual.
Zé Mangini
por Zé Mangini