Entrevista realizada em 22 de março de 2017, na Rua dos Pinheiros, em Pinheiros. Esperamos um tempo entre realizar e publicar esta entrevista para coincidir com o lançamento do Disco PANACEIA.
Guilherme Meyer – Em meu primeiro disco pensei muito no Brasil e seus ritmos. A minha visão de baião, do samba… trazendo essa riqueza cultural como matéria prima e inspiração. Eu sentia muita necessidade de me apropriar da coisa nossa, de usar o meu quintal. Para depois poder ir um pouco para fora, para a América Latina, conhecer outros ritmos. Então, no primeiro disco, trouxe um olhar pelo Brasil e neste segundo, um olhar para São Paulo, com uma linguagem urbana. Um cantar a cidade.
“… A cabeça inquieta,
Vagueia discreta nos trilhos do trem,
Nesse tumulto insistente cercado de gente não enxergo ninguém,
Que Paulicéia Maluca travada por luta vou te contar,
Te levarei na memória com outras histórias que pretendo contar,
Vagueio ligeiro no chão passageiro que vai e que vem…”.
Parte da letra da música Paulicéia Maluca.
Guilherme Meyer – Eu pensei primeiro na questão urbana da cidade, com várias culturas dentro de uma, na movimentação da cidade… A própria roupa, estética do disco, é mais urbana, tem guitarras, tem vários timbres, tudo convergindo para um olhar da cidade. Quis fazer um disco para esta minha cidade atual e com um olhar bacana. Tem uma associação com os bairros, por exemplo a música ‘Meu Ladinho’ é um pouco ali o Largo da Batata, tem uma música que fala de mirar um pouco o céu ela se chama “Wip Out” que é um baião em inglês, aí eu pensei na Cantareira, tem uma que me lembra mais os terminais de ônibus do centro, tem a “Paulicéia Maluca”, que fala desse urbanismo dos trens. A cidade toda se apresenta nas músicas. E o ritmo e a movimentação da cidade também.
“A terra da garoa vai florir”.
Guilherme Meyer – O Marcelo Sanches, que produziu comigo este disco, trouxe a contribuição nos arranjos e propôs gente bacana e músicos legais pra gente chamar, gente de vários lugares do Brasil. De Olinda, tem o Gustavo da Lua, que toca com a Nação Zumbi, um cara super ligado no movimento manguebeat, que era do Sheik Tosado e tocou com várias bandas de lá. Tem o Hugo Carranca que é batera e toca com o Otto, também pernambucano. Tem o Felipe Faraco que é do Sul. O próprio Marcelinho, guitarrista, é do interior de São Paulo. O Guilherme Held que toca com muita gente legal como Criolo e Mariana Aidar. Tem ainda uma ligação com a guitarra do primeiro disco, o Alemão, os guitarristas desta outra geração que eu sempre admirei e admiro, tem a participação da Marcela Biasi, que cantou no primeiro disco também que é amiga minha já faz um tempo, tem a participação nessa música “Paulicéia Maluca”. O Cadão Volpato, que é um grande letrista da banda Felini. Foi muito legal ter a participação dele e dessa turma toda.
Guilherme Meyer – Minha lembrança é de quando eu tinha uns 5, 6 anos. Eu lembro de muitas trilhas de programas de TV que eu via. Nem sempre lembro do seriado, mas eu lembro da música. Umas das lembranças mais marcantes, aconteceu no meu aniversário de 7 anos, quando eu ganhei um disco de vinil do meu tio, irmão do meu pai, que eu tenho até hoje. O nome do disco é “16 Sucessos que Marcaram Época”. Uma coletânia de músicas americanas do final dos anos 60, início dos 70. A partir deste momento eu resolvi colecionar discos. Juntava a minha mesada para comprar discos. Eu me sentia muito bem ganhando um disco e não um brinquedo. Com 11 anos, ganhei o meu primeiro violão. Dai pra frente a música foi sempre presente.
Guilherme Meyer – Trabalhei com teatro. Achava bem bacana a direção de teatro, com o texto, a própria trilha, a encenação, cenário, figurino e a direção do ator, eu gostava de ver as peças de teatro e de como cada diretor conduzia a sua montagem. O diretor tem um pouco essa coisa de parceiro de criação. O direcionamento estético. Eu gostava muito da direção, então eu fiz escola de teatro. Conheci várias pessoas legais e amigos que eu tenho até hoje. Tanto aqueles que seguiram com o teatro quanto os que foram fazer outras coisas. Mas eu sempre estava ligado à música. Fazia teatro e tocava em várias peças. Fiz trilhas e quando me vi, estava bem mais envolvido na parte musical. Mesmo quando eu fazia teatro, tinha banda, e nunca parei de tocar. Foi uma época que eu fiz coisas legais com gente que eu gostava, que eu gostei de trabalhar e foi ótimo. Mas chegou um momento que eu tive que optar.
Guilherme Meyer – Eu vivo de música. Na verdade eu sobrevivo de música, como todo artista brasileiro. Na cidade, tem coisas bem bacanas, tem espaços legais, é uma cidade grande e bem cosmopolita. Mas eu acho que para o potencial que a cidade tem é muito pouco. Pouco para os músicos e pouco para a população que vive aqui. A gente sofre muito por causa da maneira que a política cultural é feita hoje em dia. E por conta da política, os projetos vão mudando e acabando. Quando chega um novo governo ele não vai querer que os projetos do governo anterior permaneçam. E quem perde é a população, os artistas, as pessoas, os músicos, que consomem e vivem daquilo e o próprio mercado.
Guilherme Meyer – A cidade me alimenta. Essa coisa cosmopolita, várias culturas com várias pessoas, lugares diferentes pra gente tocar, me alimenta. Mas acho que ela poderia e pode ser melhor em vários sentidos. Ter mais praças, ser mais das pessoas. Gosto dos vários universos, o Adoniran Barbosa e o samba do Bexiga, ou do samba da Barra Funda. Ou então o Rapp, o Hip Hop da São Bento, vão criando pequenos universos paralelos mesmo na cidade e isso é muito bacana, ao mesmo tempo que a cidade é super grande, tem essas pequenas ilhas que você acaba indo, desde um lugar que tem um restaurantezinho, uma comidinha tal, até uma roda de choro, um sarau na periferia. É uma cidade que teria espaço para tudo.
Guilherme Meyer – Eles são menos preconceituosos em relação ao gênero, são mais abertos, ouvem sons modernos, mas também vejo caras de 16 anos escutando Chico Buarque, Elis Regina. Nem sei como eles chegaram naquilo. Eles acabam aprendendo isso e no fundo é o valor interno que conta. É o que a pessoa é o que ele trás e porque ela é diferente da outra no sentido bom, a luz que cada um trás para complementar. Hoje em dia não tem mais tanto espaço para o cara sozinho. Os coletivos se fortificaram. E assim, acabam formando uma rede. Isso também faz parte da solução. Hoje em dia é difícil movimentar público. Em 15 anos a gente perdeu todos os meios de comunicação, a gente perdeu programas de música, a MTV, Revista da MTV, Revista Bizz, Revista Rock Brigade, as Rádios se enfraqueceram. Por outro lado você tem a facilidade de conseguir produzir e divulgar de maneira independente e com as mídias sociais. É a grande vantagem dessa época, porque antes você precisava ter uma gravadora. O que eu quero dizer é que se por um lado os espaços de divulgação diminuíram, por outro, lançar um trabalho sem gravadora, divulgar e vender, tudo via internet, tornou o processo muito mais democrático. Tudo isso é muito rico.
Guilherme Meyer – Este disco tem relação com ritmos. O disco anterior foi bastante pensado com ritmos brasileiros, esse disco novo eu pensei muito na questão rítmica em si, nas batidas, nos ritmos de cada música. Elas nasceram um pouco também pelos ritmos. Mas a música de trabalho é a mais diferente mesmo. O primeiro disco tem muita inspiração no Antônio Carlos Jobim, no Edu Lobo, porque eu tenho muita ligação com o trabalho deles. Enquanto o primeiro disco é mais limpo, mais “clássico”, sem efeitos e distorções, este disco novo já é o contrário, é a cidade, cheio de sons de barulhos de rua, efeitos que se contrapõem, como se fosse um negativo. O primeiro disco tem a ver com o meu imaginário de pequeno, de ouvir o Edu Lobo, o Chico Buarque, o Jobim. Neste, a roupagem, produção e arranjo, já é uma roupa mais de agora. Eu lembrei daquela coisa do Milles Davis e do Marsalis, quando o Miles Davis viu o Marsalis e falou: “Quem é aquele jovem tocando música velha e vestido como velho?” Aí o Marsalis falou: “Quem é aquele velho tocando música e vestido como jovem?”. No outro disco eu era mais jovem tocando uma música mais “velha” e agora eu continuo jovem, mas tocando uma música um pouco mais jovem. Isso dá para perceber bem na música de trabalho “Vem pro meu Ladinho” que tem um senso de humor. Investi muito na composição. Não queria ficar mais reproduzindo a mesma coisa. Eu sempre gostei de criar mais do que reproduzir, embora as duas coisas sejam importantes. Hoje a gente abre a janela, vai no Largo da Batata e tem esse ritmo de forró meio safado, com um timbre meio eletrônico. Se você reparar na segunda parte da música é levemente eletrônica, então é uma mistura, tem essa brincadeira mesmo. As outras músicas do disco novo tem essa questão da roupagem mais moderna mas se você for ver por trás, também dá para tocar só com um violão.
Guilherme Meyer – Todo mundo pode visitar o canal do Youtube https://www.youtube.com/user/guilhermemeyermusica (https://www.youtube.com/user/guilhermemeyermusica) que tem a música “Vem pro meu Ladinho”, quem quiser compartilhar, deve usar #MEULADINHO. Eu pretendo colocar as músicas no Youtube, mas eu quero colocar nas plataformas digitais tipo Spotfy, Deezel, GooglePlay e ITunes, estou vendo isso assim que o disco sair. E lançar o disco fazer uma programação para poder circular um pouco, e também tenho vontade de viajar e participar de alguns festivais na Europa.
Zé Mangini
por Zé Mangini e Ana Barbieri †
entrevista concedida em 22 de março de 2017 para Ana Barbieri e Zé Mangini
Um evento no Facebook para avisar do lançamento com o link para acessar.
Panaceia
Vaya pa allá
Paulicéia Maluca
Vem pro meu Ladinho
Wip Out
Plataforma 22
Mas allá
Cosmópolis
Fumos da Flor