Nasci na Pro Matre e vivi a minha vida inteira em Alto de Pinheiros e Pinheiros. Só deixei o bairro quando saí da casa da minha mãe e fui morar perto do Metrô São Joaquim, no Centro e assim que pude, voltei correndo para cá. Eu preciso morar em um lugar onde eu possa abrir a porta da minha casa e estar em uma padaria em menos de dois minutos, preciso ter coisas por perto, um posto, um centro comercial, poder andar pelas ruas. Neste pedaço aqui tem árvores, tem gente andando na rua e você encontra pessoas, sabe quem é o padeiro e quem é o carteiro. Meu som da cidade é o das pessoas falando.
Meus escritórios sempre foram virados para a rua e eu sempre ouço pedaços de conversas…. Minhas portas sempre foram abertas, e com isso as pessoas sempre bateram na porta e entraram. Se você tem uma casa aberta, você é uma pessoa mais aberta, disposta a viver. Desde muito cedo eu escolhi o que eu iria fazer. Eu sempre quis construir para a narrativa, para a história. Eu sou uma pessoa que está o tempo todo alerta, vendo o que acontece a minha volta e por muito tempo eu tive dúvidas se o que eu fazia contava Histórias. Hoje depois de muito anos de carreira em várias áreas, eu sei que conto Histórias construindo imagens. Agregada a um texto, a uma ação, mas a minha forma de contar uma História é pela imagem, pelo olhar…
Eu adoro São Paulo. É uma cidade que recebe todo mundo. É uma cidade muito generosa. Uma cidade complexa, difícil, muito dura. Mas também é uma mãe, absolutamente receptiva. Se a cidade de São Paulo fosse um espaço cênico eu interferiria muito pouco. A interferência é possibilitar o olhar. Então se você conseguir dar este acesso aos espaços e às ruas, você percebe que ele é generoso. Devemos interferir o quanto que permita valorizar o que a própria cidade tem. Não é mudar, trocar, é simplesmente valorizar o que a cidade pode oferecer. E tem uma questão de urbanismo onde as casas e os apartamentos estão ficando menores, com áreas mais restritas e você precisa usar o espaço fora de casa. As pessoas ocupam seus espaços na cidade. Tanto que os espaços mais perigosos na cidade, são aqueles que não tem dono. Onde ninguém mora, ninguém cuida. A maior segurança é você saber quem é o seu vizinho, quem mora por perto de você.
Eu sou uma pessoa que ama. Amo muito o que eu faço. Amo muito as pessoas. Tem meus filhos. Mais do que amá-los, eu amo a relação com eles. São muito parceiros, companheiros, inclusive nesta nossa parte da ocupação da cidade. E eu os deixo saírem para a pracinha lá em cima ou quando acaba o arroz, são eles que vão comprar. Vão a padaria, vão comprar alface, tomates. Tivemos a preocupação de ensinar as crianças desde cedo a ocupação de seu pedaço na cidade. Se você estabelecer uma relação com a cidade de medo, ela te dá o medo. Se você estabelecer uma relação de confiança, você saberá onde confiar.
O Banco de Tecidos que criei é um sistema de circulação de tecidos de reuso. Ou seja, os tecidos que estão parados na sua casa ou em uma confecção, fazemos circular e estendemos o ciclo de vida deles. Você deposita o tecido aqui no Banco, gera um crédito em quilos de tecido, e pode resgatar este mesmo crédito em outros tecidos. Não é um simples sistema de troca. É criar o hábito de não acumular e de colocar à disposição dos outros aquilo que não te serve mais. Assim, trabalhamos o sistema de circulação do produto e o preço junto, porque também se pode comprar os tecidos aqui, sendo que o preço será o mesmo para qualquer tipo de tecido. É a nossa segunda pele. Cada tecido tem uma História. E a gente quer desenvolver a contação de Histórias dos tecidos. A gente veste Histórias. E quando a gente veste Histórias, a gente cria Histórias.
por Zé Mangini.
Para conhecer mais da Lu Bueno e do Banco de Tecidos:
https://www.facebook.com/lu.bueno.3?fref=ts
https://www.facebook.com/LUPAart-483720538352753/?pnref=lhc
Parabéns pelo percurso. E bola pra frente. Ainda vais fazer muita coisa. Abraços.R
Mais uma Lu, com algo construtivo!
Gostei do reuso de tecidos, gostei da construção da cidade, positiva se não há medo e negativa se há medo.
Lembro que eu morava em uma rua do Brooklin chamada Gabriel de Lara. Os portões eram baixos e as mães debruçavam-se neles para conversar entre si, enquanto nós brincávamos de ” Taco” no meio da rua. Hoje quando passo no número 408, há uma rua sem vida, sem alma dos nossos tempos de criança, das nossas mães amigas.
Sinto falta disso. Não é saudosismo, simplesmente em trinta e poucos anos os habitantes da cidade, pela cultura do medo, se renderam a sistemas de segurança, grades altas, chapas metálicas e não há mais as amizades entre vizinhos. Eles tornaram-se não gratos. Não há, imagine, brincar no meio da rua, e ralar os joelhos; os carros fazem isso por nós.
Vivemos confinados, neurotizados em apartamentos, condomínios fechados com áreas comuns com a promessa de nos dar spas, espaços fitness, espaços kids, home office…eu me pergunte há um espaço com nome nacional???
Mesmo assim, fiz como você, ensinei ao meu filho aos 10 anos, a começar a andar pela cidade. Hoje aos 16 anos, ele tem capacidade de ir a tantos lugares com autonomia, que fico tranquila em saber que ele não tem a “cultura do medo”.
Vamos nessa Lu, contar a todos que há sim muitas possibilidades, outros olhares, outras pessoas aqui em São Paulo, tão linda e que precisa apenas de um afago.
Beijos
Luciana Guerra