Entrevista realizada em 08 de Março de 2016, no restaurante Talal Culinária Síria, no Jardim das Acácias, ao lado do Brooklin.
Talal – Minha vida era muito tranqüila. Lá eu tinha meu escritório de engenharia, três lojas de roupas para crianças, apartamento e carro. Não tinha problemas com dinheiro nem com a minha família.
Talal – Sim, é. Porque ainda não chegaram bombas na área central de Damasco onde eu morava com minha família. Ainda é tranqüilo. Mas na cidade de Homs, que tinha mais de 700 mil pessoas, por exemplo, acabou tudo.
Talal – A guerra começou em 15 de março de 2011. Eu deixei a Síria em janeiro de 2013. Mas eu não deixei a Síria por causa da guerra. Na volta de uma viagem com a minha família a Beirute, que fui para tirar meu diploma de inglês na Embaixada da Inglaterra, fomos parados na fronteira pela polícia do governo, e fui preso. Fui preso porque meu primeiro nome – Talal – é igual ao de outra pessoa que o governo de Bashar al-Assad persegue. Fiquei na prisão por três meses e meio. E dentro da prisão percebi que se eu tivesse a sorte de sair vivo de lá, isso iria acontecer de novo, e de novo, por mais tempo e com cada vez mais riscos. Nunca se sabe o que pode acontecer dentro de prisões deste tipo. Assim que saí da prisão, fiquei em Damasco por mais duas semanas somente para arrumar as coisas e depois fugi com a minha família para Beirute porque é perto de Damasco, dá para ir de carro e não precisa de muitos documentos para atravessar a fronteira. Somente passaporte ou RG. Por isso escolhi Beirute primeiro. Mas eu não gostei de Beirute para morar. É caro, perigoso e então procurei outros países. Fui a algumas embaixadas de países da Europa, América, Canadá, Austrália. Mas todos falaram que por eu ser sírio, não poderia tirar visto. Inclusive o Brasil. Mas na época abriu um projeto de imigração para o Brasil, para dar vistos, sem muita burocracia, somente o passaporte. Em novembro de 2013 estava com os nossos vistos para vir para o Brasil. Em dezembro cheguei no Brasil com minha família. Eu vim para o Brasil, porque naquela época era mais fácil e mais seguro para mim e minha família. Este projeto era temporário. Agora deve estar fechado para novos imigrantes.
Talal – Tenho em Damasco hoje, meu pai e meu irmão, um outro irmão na Alemanha, que também saiu por causa da guerra e tenho uma outra irmã nos Estados Unidos, mas esta mora lá há 14 anos por causa do casamento. Minha esposa tem toda a sua família em Damasco: pai, mãe, três irmãos e três irmãs. E éramos uma família muito unida, onde todos moravam no centro de Damasco. Para visitar meu pai eram 10 minutos à pé. Pela minha religião, eu preciso visitar meus pais todos os dias.
Talal – A minha segurança e a segurança da minha família é o mais importante. Minha mãe morreu em 2014. Eu não pude estar com ela. Agora, ficou somente o meu pai, hoje com 75 anos. Ele me visitou aqui no Brasil durante os meses julho e agosto do ano passado. É claro que eu sinto muita falta da minha família. A minha esposa e os meus filhos viajaram a Damasco, em 2016, para ver a família dela.
Talal – Quando eu cheguei no Brasil eu pensei: Quero ficar aqui. Não quero me mudar de novo. Agora, depois de três anos, eu acabei construindo uma vida aqui. Posso viajar para turismo, para visitar minha família em Damasco, mas não para morar em outro país. O Brasil tem problemas, como outros países também. Mas o Brasil é muito bom. Agora eu tenho minha vida aqui, mesmo a guerra acabando, somente volto para lá para visitar a família. Tenho também uma filha mais nova que nasceu aqui em São Paulo.
Talal – Sim! Eles estão estudando em português e gostam. Seria muito difícil uma nova adaptação com os estudos lá. Estudar matemática e gramática em árabe é muito difícil. Falamos árabe em casa entre nós. Mas eles já falam português direitinho.
Talal – Eu acho que o imigrante é aquele que sai do seu país, em sua maioria, por gosto ou por causa da economia. Já o refugiado, sai do seu país por causa de uma guerra. O refugiado precisa sair de imediato do seu país. Não tem tempo nem condições de arrumar as coisas, procurar um trabalho no novo país, não tem tempo de arrumar as coisas, de guardar de dinheiro, se planejar.
Talal – O financiamento coletivo não foi minha idéia. Foi de um amigo voluntário que estava ajudando refugiados. Eu topei porque não ia perder nada. Mas logo depois de 40 dias, arrecadaram 6 mil. Para mim, estava bom, sem problemas. Mas nas duas semanas seguintes, apareceram mais pessoas querendo ajudar. Uma jornalista do SBT postou no Facebook para as pessoas ajudarem na campanha. Ela conhecia muita gente. Nos 20 dias seguintes dias, já tinha arrecadado uns 50 mil. Depois uma outra moça me ligou pedindo para eu postar de novo que ela iria me ajudar. Durante a primeira hora, mais dez mil. Durante as três últimas horas bateu 72 mil. Uma vez eu falei com um médico e ele me disse que recebeu um e-mail para ajudar o Talal e fez uma vaquinha com os médicos e arrecadou 5 mil e pagou direto para Talal. O Brasil é bem diferente do meu país, mas eu tive ajuda dos brasileiros, das pessoas. Primeiro os voluntários e depois os brasileiros mesmos. Eu falei para a minha esposa que a vida aqui também é difícil, mas com a ajuda dos brasileiros, ficou mais fácil. Tudo isso me ajudou para reconstruir a minha vida, começar o meu negócio, para fazer as crianças se adaptarem.
Talal – Sim. Se tenho algum problema de documentos ou alguma necessidade, posto na minha página do Fabebook e as pessoas brasileiras se oferecem para ajudar. Porque gostam de ajudar. Com esta situação posso pensar em um futuro mais tranqüilo. O primeiro dia de funcionamento do restaurante, uma ONG mandou 15 pessoas para me ajudar aqui.
Talal – Eu posso ajudar outros refugiados, mesmo que seja através das pessoas que me ajudaram também. Por todo este movimento que houve, eu acabei conhecendo muita gente e posso ajudar os outros também. O refugiado de outros países que chegou agora, não conhece ninguém. Eu já conheço bastante gente.
Talal – Não, ainda não tivemos esta experiência aqui em São Paulo. Eu já viajei para outros países e cidades, mas São Paulo é diferente. E eu sinto São Paulo como meu país, minha cidade.
Talal – São Paulo é uma cidade grande, tem dinheiro, tem trabalho, é rica mas é difícil e não muito bonita. Mas eu sinto como meu país e aqui vou construir meu futuro e o futuro dos meus filhos. São Paulo para mim é muito corrido, muito complicado e difícil de se viver. Não é fácil para mim. Logo na minha chegada, morei no Brás, mas é muito comercial, não é bom para se morar. Neste bairro é mais tranqüilo, mas é mais caro. É ruim para São Paulo essas pessoas que dormem na rua. No mundo árabe em geral, todo mundo tem uma casa. Eu não entendia isso aqui. Outra coisa ruim aqui na cidade são os rios. Que cheiro ruim! Uma cidade como São Paulo não pode ter isso. Tem que resolver isso.
Talal – Agora vou contratar um cozinheiro e tentar abrir um outro restaurante para crescer. O meu segundo plano, se eu conseguir reconhecer o meu diploma aqui no Brasil e conseguir me cadastrar no CREA, é voltar a trabalhar como engenheiro, depois de alguns anos de prática aqui. Já tenho 12 anos de prática como engenheiro na Síria, mas aqui ainda não. Então poderei voltar a ser engenheiro ou fazer um mestrado. Mas preciso primeiro reconhecer meu diploma.
Talal – Meu prazer está na minha família. Mas temos muito prazer em visitar outras famílias brasileiras. Já visitamos várias famílias. No começo todo mundo fica tímido, mas depois parece que somos amigos há tempos. Na semana passada, uma moça veio aqui no restaurante e nos convidou para passar o dia em seu apartamento. Ficamos das 9:30hs até as 23:00hs. Tomamos café da manhã, almoçamos e jantamos. Estas visitas nos dão muito prazer e ajudam a conhecer um pouco mais dos brasileiros, os costumes. Para eles também é bom para conhecer um pouco dos refugiados e da nossa cultura. Nos dias de Natal e Ano novo também passamos com outras famílias e podemos trocar informações sobre a nossa religião.
Zé Mangini e imagens de divulgação (pratos)
por Zé Mangini