No meu caminho diário para o escritório, eu sempre me surpreendia de vê-la ali, parada, vestida para o trabalho. Blazer, saia godê no meio da canela, um guarda-chuva enorme na mão e uma pasta de couro no chão. Dia sim, outro também, ela ficava no canteiro do meio da Avenida Paulista, nas imediações do Conjunto Nacional. Olhando para o trânsito e através dele. Podia ser mais cedo, podia ser um pouco mais tarde, ela estava a postos. Às vezes, no final da tarde, quando eu resolvia fazer da Paulista meu caminho de volta, ela estava lá. Sempre virada para o mesmo lado. Quantas vezes tive vontade de parar, perguntar o que a trazia parar ali, diariamente. O olhar, um pouco perdido, talvez não me enxergasse. Ou talvez neste outro mundo em que ela parecia habitar, não houvesse lugar para curiosidades, perguntas, respostas.
Eu via naquele abandono, naquela solidão, o medo diante da perda, a sublimação do fracasso e a negação da realidade. Às vezes a via como a imagem da esperança: todo dia se arrumava, pegava a pasta e o guarda-chuva e ia trabalhar. Porque naquele desalento, naquela loucura mansa, em estar no canteiro central de uma das mais movimentadas avenidas da cidade, ela certamente estava, dentro de si, no trabalho. O tempo passou, meus caminhos mudaram, esqueci a mulher do canteiro central.
Anos depois, passo ali por acaso e a vejo: cabelos embranquecidos, blazer e saia surrados, desbotados, guarda-chuva rasgado e a mala no chão, cheia de segredos acumulados, marcando o piso do canteiro central.
FLICKR | CC | LUIZ YASSUDA
Tenho uma foto dessa mulher, tirada em 2012! Quero muito saber a história dela.
Oi Danielle,
Que ótimo!
Adoramos sua mensagem. Estes personagens de São Paulo, com certeza não são invisíveis. Muito pelo contrário, são ricos em Histórias fascinantes. Durante anos, morei no Centro e eu mantinha um caderno onde eu anotava os personagens cotidianos que cruzavam o meu caminho diariamente. Era uma delícia poder acompanhar estas pessoas. O que acontece é que a maioria das pessoas não está atenta ao que ocorre ao seu redor e muitas vezes não percebe estas riquezas de nossa cidade. Grande beijo para você e se descobrir algo mais, nos conte. E, tendo oportunidade nós também vamos atrás da História dela. É isto que fazemos por aqui.