Os anos foram principalmente 1968, 1969. Anos de segundo grau ou melhor, Ensino Clássico. Lá na rua Colônia da Glória, V. Mariana.
Eu, com minha vidinha centrada no Ipiranga, daquela vez não tendo conseguido vaga em escola estadual no bairro, fui estudar no Roldão Lopes de Barros. Vale lembrar que fazia-se prova de capacitação para ingresso em escolas públicas. O Brasil era governado por militares, o período era de Arthur da Costa e Silva, o homem do AI-5.
Trabalhava em um banco, estudava à noite. Tempos difíceis para mim em sentido diverso. Era comum o jovem que trabalhava entregar o holerite e o salário integralmente nas mãos dos pais. Arrimo de família, ao estudar na Vila Mariana teria gastos com passagem de ônibus. Então, na partilha familiar, tinha direito a uma única passagem/dia, a qual utilizava para ida ao colégio por questão de horário. Jantar? Nem pensar. Saia do trabalho, passava em casa para um café preto, uma escovada nos dentes e cabelos e pegava o busão sempre lotado. Pensem em meios de transporte na década de 60. O metrô teve sua construção iniciada em fins de 68 (linha azul), porém para os paulistanos tudo não passava de uma miragem. Então, pendurada nos degraus do coletivo, seguia para aquele que foi, surpreendentemente, o verdadeiro início dos meus anos dourados.
As aulas terminavam as 23:15hs e era muito, mas muito difícil a dispensa antes da hora ou a falta de professor em sala de aula. A educação era seriamente controlada, o currículo tinha que ser cumprido. E nada de aprovação direta, ou a famosa “colher de chá”. Os mestres eram rigorosos, o nível de conhecimento e aproveitamento eram muito próximos do ideal. Lembrem-se: estou falando de aulas noturnas e sempre se pensou que aqueles que estudam à noite tem mais facilidades. Nos velhos tempos, não.
Mas saía eu nesse horário e descia o trecho da rua Colônia da Glória, entrava na Avenida Lins de Vasconcelos na altura da Igreja Santa Margarida Maria. A partir dali, era muito longo o trecho até o Largo do Cambuci. À partir do largo, descia a rua Clímaco Barbosa até o final, cruzando com a Avenida Dom Pedro e seus maravilhosos casarões e mansões. Eu nunca me cansei de observar tanta beleza! Prosseguia até o Monumento à Independência quando, finalmente pegava o caminho de casa – rua Leais Paulistanos. Geralmente chegava perto das 01:15-01:30h da madrugada. Sozinha. Bom, nem tão sozinha pois boa parte dos jovens residiam ou na Av. Lins de Vasconcelos ou em suas transversais. A partir daí, era eu e o exército nas ruas. Havia a indefectível presença dos militares em todos os pontos. Éramos parados muitas vezes na mesma noite para apresentar principalmente Carteira de Trabalho que não podia ser esquecida, caso contrário corria-se o risco de detenção para averiguação. Penso que seria impraticável caminhar todos os dias por duas horas na madrugada, sem segurança.
A melhor parte desse período vem de duas memórias muito fortes: uma auditiva e outra olfativa. Meu amigo de outrora, o Wilson que carregava seu violão às costas e na saída da escola nos brindava tocando canções dos Beatles até um determinado ponto da Lins. A outra se dava no dia do recebimento de meu salário. Nesse dia minha mãe me aguardava na rua dos Sorocabanos esquina com a rua Cipriano Barata. Minha velha, nessas madrugadas, ia saborear comigo um Xis-Salada na Lanchonete LanXereta, que resiste até hoje mas não com o mesmo vigor e odor de outrora.
Esses tempos fizeram de mim uma pessoa mais independente. Mas essa já é outra história.
Foto extraída da página do FB Histórias Paulistanas | Autoria desconhecida.