OBJETOS DE GENTE

As Histórias dos objetos dessa gente de São Paulo.


GARRAFA TÉRMICA AMARELA

Maria do Carmo Paz, Itaim Bibi.

Foi difícil escolher meu objeto porque poucos objetos que me acompanharam por um longo período. A vida em geral é muito dinâmica, as pessoas casam, se separam, casam novamente, mudam de casa, e os objetos vão ficando pelo caminho. Claro que algumas pessoas são mais fiéis a seus objetos, outras se desprendem mais facilmente, como eu que, ao longo do caminho, fui me desfazendo das minhas coisas. Mas tem uma peça que eu jamais pensei em me desfazer: a minha Garrafa Térmica Amarela. É o objeto mais importante de todos que eu tenho na minha casa. Ela está comigo há mais de quinze anos e tem um significado muito importante para mim. Marcou uma fase importante da minha vida. Foi a minha primeira garrafa térmica desde que eu moro sozinha, desde que fui ter minha vida sozinha realmente. Ela me remete a uma coisa gostosa, que me dá um conforto. É a minha Garrafa Térmica Amarela. A cor dela é um amarelo chocante, bem forte. Eu a comprei no momento que eu tinha me separado do meu primeiro marido, e estava montando a minha nova casa, era um momento de tristeza, porque tinha aquele sentimento um pouco de não ter dado certo, mas ao mesmo tempo, um momento de alegria, com uma pontinha de felicidade, de ânimo para recomeçar. Talvez por isso eu escolhi esta cor tão berrante. Eu queria uma cor que trouxesse vida. Quando me separei, deixei tudo que eu tinha na outra casa, parti só com as minhas roupas e fui começar a vida. Eu saí da casa dos meus pais para casar, fui morar junto com o meu ex-marido na casa que já era dele. Portanto, quando eu fui morar sozinha era como seu eu estivesse entrando na “vida adulta”, dona do meu nariz. Num primeiro momento, teve um gostinho de fracasso, mas ao mesmo tempo tinha também esse olhar mais otimista, uma visão mais colorida, de montar a minha casa, ter as minhas coisas, passei a ter muito mais o senso do meu espaço, do que era meu. Quando comprei essa garrafa não queria uma branca ou uma garrafa térmica qualquer. Ela tinha o colorido que eu estava dando para tudo naquele momento. Eu penso na minha garrafa térmica como uma coisa gostosa. Todos os dias sou acordada com o cheiro do café recém feito, que vem da minha cozinha e imediatamente lembro da minha Garrafa Térmica Amarela. Um ritual de todas as manhãs. O cheiro do café é meu despertador. Acordo e a primeira lembrança que vem na minha mente é a minha Garrafa Térmica Amarela. Durante a noite ela fica na despensa, sai de lá todas as manhãs e só retorna no final da tarde. Às vezes, me deparo olhando para ela na despensa, e quando percebo, meus pensamentos me remetem a esse momento gostoso, esse cheirinho delicioso, a esse aconchego. Eu lembro do meu passado e vejo o quanto ela é importante por ter me acompanhado, ter vivido tudo isso comigo, me lembra daquele momento difícil, mas que também me traz orgulho pela superação. A maternidade era um desejo muito grande naquela época. Portanto, ter ido morar sozinha, para montar uma casa do zero era um sinônimo de não ter podido realizar uma família e filhos. Ficava sempre com a dúvida se iria conseguir. Muitas coisas aconteceram, dei muita cabeçada. Conheci meu segundo marido e sou super feliz. Quando fui morar com ele, trouxe junto a minha Garrafa Térmica Amarela. Neste momento de juntar nossas coisas em um espaço só, eu tive que me desfazer de muitos objetos, mas a minha Garrafa Térmica Amarela eu nunca larguei. Nós casamos. Hoje temos dois filhos, a Ana Carolina, de sete anos e o Eduardo, de dois anos e meio. Além de tudo isso, o café em si tem uma grande importância na minha vida. É o único vício que eu tenho, que me conforta, me aconchega. Tomar café é sempre um momento gostoso. Todas as manhãs, logo após sentir o cheiro do café, encontro ela na bancada e vejo aquele amarelão, aquela cor do sol, que logo me ilumina. Se eu estou trabalhando em casa, passo a manhã inteira indo até a bancada para pegar um pouquinho do café da garrafa e, conclusão, passo a manhã inteira abrindo e fechando a garrafa. E além disso continua firme e forte, funciona sempre e bem direitinho. Meu marido começou até a comprar café em grãos. Temos até um moedor. Virou um novo hobby. É um prazer escolher os grãos e moer o café ali na hora, analisar os sabores e brincar com café. Marco todas as minhas conversas em cafés pela cidade, o café é um dos prazeres que eu tenho hoje.

por Ana Barbieri


MOLETOM

Renata Rocco, Itaim Bibi.

Estive na casa de uma amiga muito querida de longa data, para ouvir a História do seu objeto preferido. Fui pega de surpresa porque não imaginava que seria um moletom! Mergulhada em seus livros e terminando seu doutorado em arte, Renata me conta que poderia ter escolhido algum de seus inúmeros livros ou quadros, objetos que fazem parte do seu universo. Mas ela, escolheu seu moletom, pois acredita que lhe deu sorte durante toda a sua vida. Veja o depoimento dela abaixo. “Eu não sou supersticiosa, mas se tem uma coisa que eu acredito é que esse moletom me deu sorte. Ele está presente em todas as fases que eu considero importantes da minha vida, boas e ruins. Costumo dizer que ele é zero glamour e cheio de love. Não tenho ideia de como ele foi parar comigo, mas ele está presente desde os meus 15 anos. Ele nem sempre foi desse jeito detonado, no começo era bem felpudo e cinza bem escuro, com o tempo e de tanto usar foi se desgastando. Um dia ele apareceu com uma mancha branca, bem na frente, redonda, como se alguém tivesse colocado um copo sujo de cândida em cima dele. Eu nem liguei, cortei os punhos e a gola para deixá-lo mais descolado e continuei usando assim mesmo. A mancha, talvez tenha sido causada pela minha irmã, que também costumava usá-lo exaustivamente, mas até hoje a origem da mancha é um mistério. Quando me casei, levei o moletom para a minha nova casa. Ele tinha de ir junto. Certo dia meu marido demorou para chegar em casa do trabalho e cansada de esperar, troquei de roupa e coloquei meu moletom. Quando ele chegou me disse: ‘acho que você usa este moletom quando está brava comigo’. Pelo contrário, esse moletom simboliza tudo de bom. Não sei se foi por isso que parei de usá-lo, na verdade acho que é porque quero conservá-lo do jeitinho que está. Tenho ciúmes, não gosto quando encostam nele. Por isso arrumei um cantinho especial para guardá-lo, em uma caixinha de vime no meu armário onde só eu mexo. De alguma maneira ele é uma conexão da pessoa que sou hoje com o meu passado, ele me lembra vários momentos da minha vida. Da época de quando morava com meus pais e dividia o quarto com a minha irmã, lembro da gente rindo na cozinha e conversando muito. Mas ele também faz parte do que sou hoje, casada, mãe de duas meninas e fazendo o meu doutorado. São dois momentos importantes da minha vida e meu moletom faz essa ponte. Só sei de uma coisa, vou conservá-lo o maior tempo que puder junto comigo, porque quero que ele me acompanhe pelo resto da minha vida.”.

por Ana Barbieri


CAROL

Carolina Meyer Gomes, Vila Prudente.

Meu objeto é uma boneca que eu fiz no Círculo de Gaia, um grupo do qual eu faço parte que é formado por pessoas que buscam o autoconhecimento, a cura e a integração do ser humano por meio de técnicas artísticas, corporais e holísticas. Nossa ideia é trabalhar com emoções e energias reprimidas que podem impedir o crescimento pessoal e o equilíbrio das pessoas. Realizamos vivências e ciclos. Foi através de um dos ciclos chamado Ciclo da Criança Interior que criei a minha boneca. Escolhi minha boneca porque tem muito significado para mim. Não tem nada que esteja mexendo mais comigo neste momento. Minha boneca se chama Carol porque ela sou eu. Comecei a fazer minha boneca em novembro de 2016, e demorei um mês e meio para deixá-la como está. O roupa dela foi feita do tecido de um macaquinho que quis transformar em um vestido mas não deu certo. Sempre achei o tecido dele muito bonito, principalmente porque é vermelho e preto, essas cores estão ligadas a energia de Exu que eu gosto tanto. O cabelo dela é um caso a parte, eu queria que fosse bem cheio e natural por causa disso demorei um tempão fazendo, tive que prender fio a fio na cabeça dela. Escolhi fazer o cabelo dela branco, por causa da Sophie, uma personagem do filme O Castelo Animado, de Hayao Miyazakie. Cabelo de estrelas. Eu até quis prender umas estrelas no cabelo da minha boneca mas depois desisti. No final ela ficou bem simples, não coloquei nenhum acessório, não sei se por uma questão interna de querer ter uma personalidade um pouco mais apagada. Agora, apareceu uma necessidade de trocar a roupa dela e desta vez a vontade é vesti-la de vermelho. Normalmente minha boneca fica do meu lado no computador, e quando não estamos brigadas dorme até comigo no quarto. Estou me sentindo muito diferente depois que eu fiz minha boneca. Ela trouxe a minha infância à tona e ajudou a entender muitas coisas sobre mim mesma, me transformou e me tornou mais capaz de colocar meus desejos em prática. Para conhecer um pouco mais sobre o Círculo de Gaia acesse: https://www.facebook.com/cyrculodegaia/?fref=ts

por Ana Barbieri


BOLACHÃO

Guto Lagoa, Perdizes.

Meu objeto é um brasão, ou como costumam chamar,“bolachão”. Eu o escolhi porque ele marcou um momento muito ímpar e intenso da minha vida. Até hoje, é muito difícil tocar no assunto. Eu tive um cachorro muito especial, o Snake, um pit bull que conheci desde filhote, eu acredito que se existe alma gêmea canina, ele sem dúvida nenhuma é a minha, e o grande significado desse objeto tem tudo a ver com ele. O Snake era de um cliente meu, que tinha uma empresa de segurança. Ele ficava junto de outros cães, outra pit bull, uma rottweiler e uma bull terrier. Eu adorava todos eles. Em um dado momento o canil desta empresa foi desativado. Eu queria ficar com todos eles, mas como morava em apartamento e já tinha uma cadelinha da raça teckel, a Petika, seria impossível. Resolvi então pegar só o Snake, isso foi em 2003 e ele tinha 3 anos. Combinei com um outro cliente que morava em uma casa perto da minha, de deixá-lo lá junto com o boxer dele, a Pegy. Eu o visitava todos os dias, lavava o quintal e brincava. Não muito tempo depois ele torceu o tornozelo, levei ao veterinário, que me recomendou como tratamento além do anti-inflamatório, fazer compressa com gelo de 3 em 3 horas. Sendo assim, resolvi levá-lo para a minha casa a fim de tratá-lo. Ele se adaptou muito bem em casa e acabou ficando. Nosso vínculo ficou ainda mais forte. Estudei veterinária e as coisas que eu aprendia, passei a observar com ele. Um grande companheiro que trabalhava comigo, ia na casa dos clientes para ajudar a socializar os cães. E assim, o tempo foi passando. Com 13 anos ele desenvolveu um tumor, fez uma sessão de quimioterapia, uma operação e seguimos com o protocolo. Mas não dava resultado. Eu o tratei no Hospital Veterinário da Faculdade. Minha professora me indicou um remédio fabricado na França, e que não existia no Brasil. Era urgente, muito difícil de trazer e demoraria muito e eu precisava daquele remédio urgentemente. No dia seguinte de manhã bem cedo, eu tinha que dar aula em uma penitenciária fora de São Paulo, pois faço parte de um grupo de docentes e dou aulas de uma disciplina de veterinária para agentes penitenciários do canil. Eu estava em um momento que precisava de uma luz, precisava de esperanças. Quando eu cheguei na rodoviária e estava esperando o agente penitenciário que viria me buscar. Recebi uma mensagem no meu celular, da Lúcia, dizendo que tinha uma frasco do remédio para o Snake. Essa mensagem foi muito reconfortante, uma vez que eu poderia começar o tratamento imediatamente. O agente chegou, e eu fiz o primeiro tempo da aula com os alunos. Fomos almoçar, e eu sai para andar e conhecer o canil. Então, vi um símbolo enorme pintado no canil que é exatamente este símbolo do brasão. Eu olhei para o símbolo, eu vi a frase em latim, “mors quaestio delectus est” e perguntei o que significava a frase e o símbolo. O agente que estava do meu lado me explicou que a caveira significava a morte, a faca cravada na caveira, a vitória sobre a morte. O raio, e luz, força, ação fulminante. A asa, proteção. Já a boina na caveira é uma menção aos operações especiais. Esse símbolo, na verdade é dos guardas da muralha da penitenciária, e foi criado em homenagem à morte de um guarda durante uma fuga. O significado da frase em latim era, “a morte é uma questão de escolha”. Tinha tudo a ver com o momento que eu estava vivendo, e eu escolhi não deixar o Snake morrer. Escolhi tratar dele, cuidar dele até o fim, ao invés do sacrificá-lo. O agente que estava comigo percebeu que por algum motivo, eu havia gostado muito do símbolo e me identificado. Então, naquele momento, ele tirou o seu símbolo da própria farda e me ofereceu. O significado deste símbolo era tudo que eu e o Snake precisávamos naquele momento: vencer a morte, ter proteção, ação rápida, fulminante, e a vitória sobre o impossível. Continuamos o tratamento pesado, que debilitava muito o organismo, mas mesmo assim ele continuava comendo e me acompanhando. Em um dado momento ele ficou sem andar e eu pensei não queria manter ele assim. É difícil olhar para seu cachorro, seu parceiro e ver ele deitado no chão, tentando se levantar e não conseguir. Olhando para um lado e para outro, e por fim, voltando a cabeça para o chão. Mesmo assim, eu o colocava no carro comigo e o levava para todos os lugares. Faz 3 anos que sacrifiquei o Snake. Uma noite, notei que ele começou a ter dificuldades para respirar e passei a madrugada toda na sala olhando pra ele. Eu já não dormia no meu quarto fazia meses. E aí, durante a madrugada eu fui tendo certeza que teria de sacrificá-lo. O dia amanheceu. Eu o levei no Pet Shop e consultório do meu amigo Adriano. Queria somente colocá-lo no oxigênio para ele ter algum conforto, e eu mesmo aplicar a injeção final, para poder ficar perto. Parceiro é parceiro. Se for, vai comigo. Meus pais estavam presentes, e trouxeram a Petika, que ficou um pouco mais com ele. Então pedi ao Adriano para fazer a anestesia, e o Snake parou de respirar. Eu peguei o estetoscópio para ver se tinha algum batimento e não auscultei nada. Me debrucei nele, e fiquei ali um pouco, falando algumas coisas e chorando. Aí, eu levantei e fui fazendo a volta na mesa para guardar o estetoscópio. Quando eu passei na frente dele, ele mexeu a cabeça e voltou a respirar. Isso aconteceu depois de muito tempo, minutos, e quando ele voltou a respirar eu acho que nunca fiquei tão atônico na vida! Ele estava vivo! Ninguém sabia o que fazer, como ele foi e voltou, eu sabia o que ia ter que fazer. Fiquei mais um pouco com ele, falei mais algumas coisas, e dei dois tapas fortes no ombro dele, como fazia nas brincadeiras, e apliquei duas seringas até o fim. Quando eu junto tudo, toda esta situação desde a primeira vez que eu vi o símbolo com todo o significado do desenho e da frase, “a morte é uma questão de escolha”, e vejo o que eu passei com ele, eu vejo que realmente a morte pode sim ser uma questão de escolha e ele escolheu não morrer. Você tem que confiar na empatia que desenvolveu com o seu cachorro ao longo dos anos para saber até onde você pode ir. É por isso que é o objeto que eu mais gosto. Ele fica no armário do meu quarto junto dos meus livros, com minha coleção de soldados de chumbo e uma foto minha com o Snake, visível e protegido.

por Ana Barbieri


RELÓGIO DE PAREDE

Cecília Letelier, Vila Mariana.

Escolhi contar para vocês, a História do meu lindo Relógio de Parede. Ele fica na entrada do meu apartamento todo decorado em estilo provençal. Quando me divorciei e mudei para cá, decorei tudo do meu jeito. Este objeto representa uma transformação na minha vida. Antes, eu vivia em uma casa que eu não gostava, e agora, tenho total liberdade de decorá-la do meu jeito. Através desse relógio, me descobri concretizando vontades. Naquela época eu não tinha essa dimensão que meu inconsciente estava se expressando através daquele objeto. Durante esta mudança de vida eu descobri um estilo próprio de decoração que não conhecia, o estilo retrô. Já tinha essa pegada com roupas e música, mas não havia concretizado isso na decoração, e a chegada do meu relógio de parede deu o toque final. O engraçado, é que ele não é só decorativo, quando você olha pra ele, tem a impressão que poderia estar em uma praça em Londres, Paris ou no centro de São Paulo. Outros espaços, outro tempo... chega a ser quase que uma contradição, um relógio que marca o tempo, mas ao mesmo tempo, é atemporal. Nos encontramos em 2013 quando passeava com a minha mãe por uma feirinha na Vila Mariana. Foi literalmente amor a primeira vista, um de tantos que eu tive por pessoas e objetos. Ele olhou pra mim, eu olhei pra ele e levei, o último exemplar, era para ser meu. É meio que um amuleto, porque quando olho pra ele me acalmo, me lembro que meu estilo está marcado no meu pequeno território. Este relógio também me lembra da minha infância na casa da minha avó, que não é tão clean quanto a minha, mas sempre teve uma pegada bem feminina, cheia de flores naturais, e com dois relógios chiquérrimos de parede, um na sala de estar e outro no quarto de hóspedes, um traço familiar, uma infância de boas lembranças. Todo mundo que entra na minha casa comenta sobre meu relógio, e para uma leonina exibicionista como eu, é a glória. Ao falar dele noto que o significado é mais profundo do que eu mesmo imaginava. Com ele, eu coloquei meu lado menina pra fora, a minha criança, lúdica, feminina e atemporal. Ao mesmo tempo, ele me diz, em que tempo e espaço eu estou durante o dia, e me traz à realidade, me lembrando que devo usar meu tempo melhor. Este relógio caracteriza um momento da minha vida, de rever conceitos, crenças e hábitos. Quando pensamos que o relógio marca o tempo, lembramos do conceito cronológico. Cronos está ali, é concreto, é cruel e implacável, vemos isso na nossa pele, no nosso corpo, nas nossas escolhas, mas isso se reflete na maneira que você lida com o tempo. O importante pra mim é saber usar o meu tempo, esse tempo que você encontra para tomar café com os amigos, refletir, sonhar, ler, as vezes não pensar em nada, flanar pelo mundo, um tempo com qualidade, prazeroso, como o meu relógio, com ponteiros suaves, que não faz barulho, que não tem alarme, flutuando na minha parede e que não me causa angústia. Luxo pra mim é isso.

por Ana Barbieri


MINI GAME

Maria Carolina Higo, Vila Anglo Brasileira

Meu objeto é o Mini Game Cássio CG 40, a única coisa que eu tenho guardada da infância. O meu primeiro contato com tecnologia. Tenho pouca memória daquela época, não consigo me lembrar muito das coisas, mas não me esqueço do meu fascínio por esse objeto. Ganhei do meu pai em 1984 quando tinha 4 anos. Jornalista, ele foi ao Japão fazer uma matéria para a Revista Quatro Rodas, e aproveitou também para procurar seus descendentes. Naquela época o Japão parecia muito mais distante e qualquer coisa trazida de lá era fascinante. Meu pai sempre foi apaixonado por tecnologia e eu herdei essa paixão dele. Além de ser bonitinho, pra mim era uma mágica, eu ficava vidrada vendo os objetos mexendo. O jogo na verdade não tem nada demais para os dias de hoje, consiste em equilibrar bolas no nariz de uma foca que são lançadas por um treinador, basta apertar dois botões que deslocam o bichinho para o lado. Demorei um tempão para pegar a manha, porque como ele é japonês a direção das setas são ao contrário, a que indica para mover à direita, move para a esquerda e vice-e-versa. Imagina eu tentando entender isso com 4 anos, cheguei até a pensar que meu pai tinha me dado um jogo com defeito. Mais tarde quando eu tive idade para entender um pouco mais as coisas, me apaixonei ainda mais por esse presente, porque ele funcionava a bateria solar. Ele ainda funciona e fica na minha primeira gaveta do escritório. Nos momentos em que estou cansada e preciso dar uma pausa no trabalho, paro e dou uma jogadinha. O engraçado é que eu sempre penso vou jogar só cinco minutos e quanto eu vejo já fiquei uma hora. Tenho muito carinho por esse objeto, ele é muito importante para a minha vida. Foi o início da minha grande paixão por tecnologia, me fez chegar onde estou hoje e mudar minha carreira para trabalhar na área. Se eu pudesse traduzir esta emoção o significado em palavras seria: amor, elo e caminho. Meu primeiro encantamento e a primeira conexão que fiz com o meu pai.

por Ana Barbieri.


BOX SMASHING PUMPKINS

Dênis Ringo Giacobelis, Bela Vista.

O meu objeto é um box da banda Smashing Pumpkins lançado faz 20 anos. Ele fica bem em cima de um dos meus HDs de trabalho e fica olhando pra mim o dia todo. É um objeto muito precioso, da minha adolescência. É a banda que eu mais gosto até hoje, por isso a eu deixo por perto, mesmo eu não ouvindo mais CDs. Este box passou por várias fases da minha vida e representa muitas coisas. Mas a compra desta caixinha não foi fácil. Eu era estudante e morava em Araraquara, interior de São Paulo. Por lá não tinha a Galeria do Rock mas tinha a Cosmos Vídeo. Uma locadora que em determinado momento começou a trazer uns catálogos de música. Você sabe, as coisas não chegam no interior, naquela época não tinha nem MTV, eu dependia das fitas VHS de um amigo cheia de videoclipes, que ficava por uma semana na cidade e todo mundo fazia cópias antes dele levar embora. Éramos restritos de informação, porque foi bem no comecinho da internet. Para ver uma foto de mulher pelada, trancava a porta da sala e deixava carregando horas e horas. Chegou uma caixinha na Cosmos Vídeo, eu já gostava muito de Smash. Estudava no Objetivo e tinha uma amigo que morava do lado da loja. Toda a saída de aula eu ia lá e ficava na vitrine olhando aquela caixinha, pensando, eu vou comprar esta caixinha. Era muito caro e eu aos poucos juntei o dinheiro da mesada, o que demorou alguns meses. Mas eu estava tranquilo porque ninguém iria comprar a caixinha. O Smashing Pumpkins tinha, e ainda tem, um público muito específico. Juntei a grana, passei na casa do meu amigo e fui comprar a caixinha. Cheguei na loja e a caixinha que estava sempre na vitrine não estava mais lá! Perguntei ao vendedor e ele me disse que tinha acabado de vender e ainda por cima, para um amigo meu que nem gostava tanto da banda! Na hora eu fiquei bravo mas depois passou. F ui na casa dele ver como era a caixinha. Eu comprei esta minha caixinha muito tempo depois, quando eu já estava na faculdade, já trabalhava e tinha um dinheirinho a mais. E hoje ela está aqui comigo, já meio enferrujada, marcada... Eu adoro quando tem marca de tempo nas coisas. Ela não é “aquela” que eu queria, mas é a mesma caixinha com os mesmos discos e as mesmas músicas. E sigo olhando pra ela todos os dias orgulhoso de ter realizado meu desejo de adolescente.

por Ana Barbieri.


COMPANHEIRA DE VIAGEM

João Laboia, Vila Madalena.

Minha máquina fotográfica é uma Nikon D40. Não é uma câmera profissional, mas eu a escolhi porque me acompanha na maioria das minhas viagens. Tenho desde 2007 e dentro do case dela tem areia de alguns lugares do mundo. Ela me ajudou a registrar grande parte dos momentos legais dos últimos 10 anos. Eu gosto desta máquina porque foi muito complicado comprá-la. Quando fui morar na Irlanda, não levei máquina fotográfica. Pensava que chegando lá e trabalhando um pouquinho ia juntar dinheiro para comprar uma máquina. Mas para conseguir este dinheiro foi meio complicado. Fiquei uns 4 meses sem tirar nenhuma foto. E tinha acabado de chegar em um lugar que eu não conhecia e queria muito tirar fotos. Já até fotografei um casamento com ela. Fui para o deserto do Saara, viajei grande parte da Europa, fui para Ásia, para Cuba, fui para um monte de lugares com ela. Hoje em dia com qualquer celular você faz fotos melhores, mas eu sou um pouco saudosista. E ela funciona perfeitamente bem, nunca quebrou nada. Teve uma vez que ela caiu do segundo andar de onde eu morava e continuou funcionando misteriosamente bem. Demorou uns três anos para sair toda a areia do deserto do Saara que estava dentro dela e como a areia de lá é muito fina, ferrou um pouco: a lente não encaixava mais direito. Arrumei. Ela fica guardada em casa mas ontem estava no porta malas do meu carro e à noite fui pegar a câmera para esta entrevista, abri o porta malas e a câmera não estava mais lá! Me deu um frio na barriga, uma tremedeira nas pernas, fiquei desesperado. A Marilú, minha mulher, tinha guardado.

por Ana Barbieri.


JOSEFINA

Simone Mendes, Butantã.

O meu objeto é um esqueleto. Isso mesmo, um esqueleto chamado Josefina. Onde eu vou com ela, não passo desapercebida. Sempre tem alguém que faz uma piada, ou me pergunta se é um esqueleto de verdade! Eu comprei faz uns 10 anos no bairro da Liberdade. Uso para dar aula de movimento de trabalho corporal. É muito interessante porque a maioria das pessoas não sabe como é por dentro. Melhorou muito a qualidade da aula, a compreensão que as pessoas tem do movimento e de como que elas funcionam. Na verdade Josefina é um homem. Aí uma questão importante de gênero, pelas características do quadril e da cabeça. Mas quando eu comprei, minha filha (que era pequena) queria que fosse uma mulher, então ele virou a Josefina. A Josefina costuma ficar no consultório, onde uso para meus pacientes, mas também é usada por uma amiga para aulas de preparação de teatro e aulas que dou fora. Então nestas ocasiões ela passeia, e sair com ela pela cidade é bem engraçado! Ela senta do meu lado com sinto de segurança, chapéu e cachecol... sai de casa sempre bem arrumadinha. Todo farol que eu paro as pessoas ficam mexendo. No começo elas olham distraídas e quando percebem que tem um esqueleto do lado, tomam um puta susto, já fui muito xingada por isso. Tem aqueles que fazem piada, do tipo, “esse era o seu marido?’, “foi o último que mexeu com você”? É difícil alguém que passe e não fale nada. O interessante é que os mais idosos gostam menos dela, não sei se é porque na época deles tinham muitas histórias de terror, ou se tem a ver com a proximidade da morte, já as crianças não tem medo algum e acham engraçado. Eu troco sempre a roupa dela, tem roupa de inverno, de verão, e ela está sempre de chapéu. Em datas comemorativas tem roupa especial! No Natal ,chapéu de Papai Noel, e no Halloween ela fica na janela, ou bem pertinho da porta, para assustar quem entra em casa. Josefina ganha essas roupas dos meus cliente e alunos. A Josefina é muito importante para mim. Me trouxe muita compreensão corporal e como sou meio espírito de porco, achei que seria muito engraçado poder pregar peças nas pessoas.

por Ana Barbieri.


FENDER MASTER JOHN ENGLISH, 1959

Marco Barone, Jardim Paulista.

Meu objeto é uma guitarra Fender Master Design John English, do ano 1959. Quem é este cidadão? Este cidadão é o idealizador de um setor da fábrica de guitarras Fender, chamado Custom Shop. Lá se escolhem as boas madeiras do braço da guitarra que combinam com o corpo, ou seja, o melhor braço para o melhor corpo, a melhor frente, o melhor do que existe para a parte elétrica. Tudo feito manualmente, até o acabamento em lixa para ser uma guitarra mais pessoal. O John English resolveu fazer esta reedição de um modelo de 1959, que não tem para comprar. Então ele fez com o nome dele uma Master Design, que só perde em qualidade para a Master Build. Pela história que contam, fabricaram somente 100 unidades. 50 foram para o para o japão, 25 para a Inglaterra e 25 para os Estados Unidos. Não enviaram nenhuma para o Brasil. Mas o tempo passou e vieram algumas usadas para cá. O John English realizou este projeto em 2005 e morreu em 2007. Foi o último projeto dele e um dos mais desejados. Cor azul clarinha. Linda. Não é porque é a minha, mas é linda mesmo. E eu tenho uma e adoro. Tenho outras oito guitarras mas nesta eu fico pensando, porque ela é deliciosa, ótima, um sonzaço! Dificilmente vai sair deste estúdio porque tenho muito ciúme dela. O estojo que veio com ela é lindo, tem um símbolo da Fender bordado, um DVD com o próprio Jon English contando como ele fez a guitarra, um certificado com capa de couro, e tem o projeto, com a angulação do braço, a escala e tudo o que foi projetado e anotado com a letra dele. É uma jóinha de guitarra. Amo esta Fender. Deixo guardada com a “turminha” dela. Eu não guardo guitarra em estojo, tem de estar a mão para plugar e tocar. Quando eu toco nesta sinto o prazer de ouvir um som clássico, tradicional de guitarra. Como você vai ouvir o som do Jimmy Hendrix comprando uma Fender na Teodoro? Você precisa de um bom amplificador e uma boa guitarra para buscar esse som.

por Ana Barbieri.


QUANDO SOMOS ESCOLHIDOS

Nélio Bilate, Brooklin Paulista.

Eu não escolhi o piano, acho que foi o piano que me escolheu. E depois, a música me escolheu. E eu escolhi a música que se personificou e se transformou em um instrumento. Porque a música é algo que está aí, que é o som, que é aquilo que toca, que sempre me tocou profundamente. Venho de uma família de músicos. A música sempre esteve na minha vida. Eu tinha exatamente cinco anos de idade e meu pai, que canta para mim até hoje, me deu um piano. Um Bentley, inglês, com teclas de marfim e que foi transportado de navio. Lindo! Infelizmente, quando fiz trinta anos e me tornei gerente, não tinha mais tempo ou achava que não tinha mais tempo! E não tocava mais. Me lembro que quando eu vendi meu piano, meu pai disse: você vendeu sua paixão! Uns quinze anos depois, ganhei este. Fica aqui na saleta ao lado da lareira com uma acústica fantástica. Foi presente de aniversário da minha mulher e meus filhos. E aí eu nunca mais parei de tocar. Eu fico de frente pra ele olhando as fotos das pessoas que eu amo em cima dele: minha mulher e os meus filhos. E, não vejo mais nada, só vejo ele.

por Ana Barbieri.


BAGUNÇA CONCEITUAL

Caio Borges, Bela Vista.

Esta tela eu mesmo pintei. Fica no meu quarto atrás da “Modelo”, a cadeira com roupas amontoadas. Fiz este quadro durante o novo processo de pintura que estou atualmente. Eu queria que esta pintura, fosse uma verdade minha, autêntica, uma coisa mais conceitual. Vi a Márcia Tiburi falando em um vídeo na internet sobre casamento e relação, e citou a bagunça como um problema nos relacionamentos e sugerindo para se fazer disso uma experiência estética, fazer bagunça também. Isso ficou na minha cabeça. Eu não sou a pessoa mais organizada do mundo, sou até meio bagunceiro, mas o meu namorado que fica muito aqui em casa, e vamos morar juntos, é muito organizado na vida dele, tem uma agenda muito cheia, é realmente uma pessoa muito planejada, mas fisicamente é muito bagunceiro e deixa as coisas espalhadas. E não é por maldade, é seu modus operandi. As vezes dou um toque, tento gerir, administrar, mas tem horas que não dá. Sei que não vou conseguir mudar a figura, então eu decidi fazer essa experiência estética. Não sei porque, meu pai é muito organizado, e as coisas do meu pai são muito dobradinhas. Inclusive já arrumei a casa com a ajuda dele, ele me ajudou a arrumar gavetas e tal. Mas a minha cadeira é da bagunça, da zona, é aquela cadeira amontoada de roupas, e como ela me irritava um pouco eu tentei trocar essa irritabilidade por um afeto. Esta pintura me ajuda a lidar com a questão da bagunça e hoje eu consigo ter uma coisa mais tranquila com essa baguncinha.

por Ana Barbieri.


LEMBRANÇA DA CASA DA AVÓ

Fernanda Molinaro, Portal do Morumbi.

Este par de vasos ganhei da minha avó. Ela disse para eu escolher alguma coisa que eu achasse bonita na casa dela. Escolhi o par de vasos. Coloquei neste aparador na minha sala. Nem ponho flor. Deixo no cantinho, assim como está. Gosto dessa coisa kitsch. Se eu pudesse, minha casa estaria lotada de quinquilharia. Adoro. Eu e meu marido temos que nos entender em relação a nossa casa, eu tenho um monte de velharia dentro dos armários, só não coloco a mostra porque o Ricardo é um cara clean. A minha casa e a casa dos meus pais são lotadas de coisas, santos, quadros… Minha mãe ganha muitos quadros, ela é professora de teatro e deu aula muito tempo de arte. Muitos dos quadros que eu tenho aqui, ganhei desses professores que são muito queridos e me viram crescer. Na casa da minha avó também tem um monte de coisas, ela é muito apegada aos objetos. Tem um canto na casa dela que é cheio de cristais, todos na mesma posição há mais de trinta anos, desde que eu nasci. De uns tempos para cá ela começou a ficar melancólica. Este é um objeto que significa família com certeza. Eles me trazem as lembranças da casa da minha avó como o cheiro, os sentimentos…

por Ana Barbieri.


CHÁ E CAFÉ EM QUALQUER HORÁRIO

Nelson Batista, Piqueri.

Este aparelho de chá e café eu ganhei de presente de casamento de uma amiga, em 1989. Quando a Maura Massa me deu, já era um jogo de chá antigo. Ela também havia ganhado no casamento e achava horroroso, uma coisa antiga com cara de velho e deixou guardado. Não gostou do presente. Quando me casei, ela me deu de presente. Achei lindo. Essa coisa de ser pintado a mão é muito imponente e me lembra o ritual do chá das cinco inglês. E a cor… pintado de rosa e azul bem clarinho com dourado, é uma coisa discreta e ao mesmo tempo rococó! É um jogo grande completo, com uma dúzia de xícaras de café, uma dúzia de xícaras de chá, açucareiro, manteigueira, bule de chá, bule de café, bule de leite e prato de bolo. Tem noção? É um aparelho de chá completo! Guardei, me separei, e o jogo continua comigo. Um amigo que morou em casa em um período, quebrou a leiteira. Eu perdi esta peça! Aí, acabou! No ano retrasado fui para Ilhabela passar o réveillon na casa do meu amigo Rodolfo. Ele tem um chalé, na beira de uma cachoeira, com uma cozinha aberta. Eu olho para a prateleira e vejo a leiteira largada lá, sozinha, naquele buraco! Uma jarra de porcelana pintada a mão, lá. Eu não acreditei, fui e peguei na mão, lavei, olhei e era idêntica. Era ela! Dois dias depois, meu amigo chegou e eu contei a história. Ele disse: “embrulha e leva embora. Isso aqui foi garimpado em brechó!” E eu trouxe! Completei o jogo de chá depois de anos desfalcado. O jogo ficava na mesa mas agora não pode mais por causa das derrapadas que os meus gatos dão aqui na mesa. Não iria sobrar nada! Este jogo de chá me trás lembrança de arte acima de tudo! Comer neles é muito mais interessante do que algo chiquérrimo e moderno de uma loja conhecida.

por Ana Barbieri.